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A moda lolita é uma forma de pessoas pobres e periféricas ocuparem espaços que geralmente não teriam acesso.
Estou há 13 anos na moda lolita e sou uma pessoa que mora na periferia de Porto Alegre/RS. Falo isso pra vocês entenderem que tenho vivência do tema abordado.
Sou filha, com orgulho, de uma pessoa que sempre trabalhou como empregada doméstica. Hoje, sou professora e, tal qual muitas pessoas pobres, a docência foi um meio de ascensão social e financeira.
Mas okay, como cheguei nessa conclusão?
Foi a partir de uma conversa com uma amiga extremamente querida pra mim, a Annah Hel, em que confessei pra ela o quanto me sentia deslocada em relação a comunidade de moda lolita nacional por conta do padrão de consumo de algumas pessoas. Vendo tantos vídeos e posts sobre recebimento de encomendas, unboxings e reviews, me sentia sobrecarregada.
Em geral, a moda EGL é um estilo usado por mulheres adultas assalariadas. Há uma relação entre independência financeira e a possibilidade de perseguir hobbies. Por que isso? Bom, nós vivemos sob um modelo econômico capitalista, em que a tendência é que tudo seja mercadoria ou objeto de consumo; em que a lógica mercantil tende a ocupar todos os espaços de socialização, lazer e entretenimento. Por exemplo, cinemas são empresas e as decisões tomadas nesse setor visam antes o lucro dos donos do cinema do que coisas como acessibilidade e arte. “Não faça perguntas, apenas consuma o produto e, então, fique empolgada pelo próximo produto” é a ordem do dia.
Nesse sentido, a moda lolita e outros estilos alternativos também se tornam objetos de consumo. Eles serão descritos como “um luxo”, inclusive por muitas participantes do estilo, e existirá um incentivo onipresente para se comprar mais e mais. As pessoas se tornam propagandas ambulantes de inúmeras empresas.
Porém, esse grupo de pessoas que gostam de EGL não é uniforme. Questões como qual é a profissão dessa pessoa e o cargo que ela ocupa, se ela é a principal responsável pelo sustento da casa, se mora sozinha, se tem filhos, cidade e estado em que mora, acrescentam asteriscos à independência financeira da pessoa. Isso irá influenciar os hábitos de consumo dela, como ela engaja com a tendência mercantil do lazer. Dependendo do lugar sócio econômico onde cada pessoa existe, existirão uma série de narrativas superestruturais a respeito de quem ela é, onde ela pode ir, como ela deve se portar, o que ela pode ter. Esse fenômeno é retroalimentativo, contínuo e impossível de não sobrecarregar uma pessoa.
Eu comecei a entender que alguém como eu não conseguiria ter acesso a certos locais se não fosse a moda, quando a Annah trouxe de exemplo um ícone para a moda lolita e que é uma pessoa pobre e periférica....a Momoko de kamikaze girls.
Momoko mora no interior, em uma cidade pequena e afastada de Tóquio, com um pai ex-mafioso pé-de-chinelo que a criou sem a presença da mãe. O pai vende réplicas, conhecido para a gente como camelô, para sustentar a família e ela só consegue dinheiro para comprar seus vestidos ao mentir para o pai dela.
Assim como Momoko, eu e diversas outras pessoas do meio temos um orçamento apertado, precisando abrir mão de algo, como roupas para o dia a dia ou um computador novo, para investir em moda lolita. Mas onde entra a questão de ocupar espaços que geralmente pessoas pobres não ocupariam?
Quando lazer é mercadoria, ao pobre periférico não é dado o direito de se divertir, de possuir coisas além do necessário para sobrevivência. Qualquer coisa além disso é visto como "luxar" e esbanjar. Se você gastar 400 reais em um vestido, mesmo que ele seja sob medida e de boa qualidade, você não é visto como pobre “de verdade”, pois grande parte das pessoas aderiu a uma narrativa em que existe um “pobre ideal”, que não tem nada além do necessário para sobreviver.
Mas quando nós não aceitamos sermos colocados em caixinhas pré-definidas, também mostramos que pobres podem fazer algo além de sobreviver. Não só na questão de consumir bens mas também ao entender que as pessoas não esperam ver quem é da periferia usando roupas fofas, tomando cafés e comendo doces franceses em locais super elaborados pois, afinal, quem mora nesses lugares não se interessa por isso! Gosta apenas de baile com funk proibidão e está lutando para viver um dia após o outro!
A verdade é que você pode ser de periferia, gostar de funk e amar vestidos fofos e ser quem você quiser, não são coisas mutuamente excludentes e sua presença em qualquer um desses lugares não nega nem confirma narrativas condescendentes que são impostas sobre você.
No fim do dia, moda lolita é mais sobre jogar pachinko em uma birosca com sua amiga vida loca do que emular a imagem de duquesa vitoriana que toma chá com a realeza.
Ps: Gostaria de fazer um agradecimento especial a Annah,minha grande amiga,revisora de textos e que me ajudou muito na escrita e com diversas contribuições para esse texto.
Ficou ótimo!! Fico feliz demais de poder ajudar!
ResponderExcluirA Momoko de Tijuana é uma inspiração! <3